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Ricardo Arroja
A improdutividade
21-12-2012
O maior problema macroeconómico de Portugal é a sua reduzida produtividade. Trata-se, enfim, de um tema que gera discussões apaixonadas, porquanto nem sempre é compreendido na sua devida dimensão técnica, mas que as estatísticas nacionais e internacionais tão bem aferem. A produtividade pode ser avaliada sob dois prismas: a) quantidade de trabalho, em número de horas, e; b) qualidade desse mesmo trabalho, em valor produzido por hora.

No primeiro critério, Portugal não se qualifica mal, bem pelo contrário: no conjunto da economia, trabalhamos mais horas por semana do que, em média, acontece na União Europeia, cerca de 43 horas por semana contra 41 horas na União Europeia. É, aliás, por trabalharmos mais horas semanais que boa parte da população não entende essa questão da baixa produtividade. E, de facto, o problema está mesmo no segundo critério, em que, de acordo com o Eurostat, a produção por hora no nosso País é de 17 euros - metade do valor médio europeu.
A baixa produtividade tem várias explicações. Do ensino à burocracia, há múltiplos factores que a justificam. Neste artigo, não pretendo analisar as causas do fenómeno. Pretendo, apenas, reflectir sobre as suas manifestações, em particular no sector público. Para o efeito, fá-lo-ei a partir de uma excelente entrevista que tive oportunidade de televisionar há dias, ao senhor professor António Ferreira, presidente do conselho de administração do Hospital de São João, no Porto. Nessa esplêndida entrevista, António Ferreira, responsável pelo melhor hospital do País - a avaliação não é minha, é da Escola Nacional de Saúde Pública que, pelo terceiro ano consecutivo, o elegeu como o melhor -, afirmou que: a) no último ano, teve trinta cirurgiões no hospital que nunca operaram, e; b) entre aqueles que efectivamente operaram, o cirurgião que mais operou fê-lo ao ritmo de 12 por semana enquanto o que menos operou o fez ao ritmo de 2 por semana. Mais: aquele gestor indicou ainda que, no geral, a taxa de absentismo no São João foi de 11%, ou seja, que mais de 600 funcionários estiveram ausentes todos os dias nos últimos doze meses.
Os números anteriores dão que pensar. E, pese embora as injustiças sempre associadas às generalizações, o sector público parece continuar aburguesado. Na verdade, já sabíamos que o horário de 35 horas por semana na função pública estava bem abaixo do horário normal praticado no sector privado, e pelo exemplo de cima rapidamente somos levados a concluir que o valor produzido por hora será também relativamente diminuto face ao resto da economia. Além disso, além de diminuto, esse valor produzido por hora deverá ser extraordinariamente disperso e disforme, sendo que uns trabalharão muito, se quiserem, enquanto outros trabalharão muito pouco, se assim também quiserem. Mais: que o absentismo no sector público será também tratado de outra forma, num registo muito mais suave do que aconteceria em ambiente concorrencial no privado.
O problema de improdutividade que o País exibe não passa apenas pela modernização e reconversão do nosso tecido empresarial, que permita substituir importações e reposicionar as exportações em segmentos de maior valor acrescentado. Em boa medida, passará também pelo reforço da ética do trabalho no sector público, através de horários semanais equivalentes aos que são praticados no privado e de sistemas de incentivos que conduzam ao aumento da produção por hora e que reduzam as taxas de absentismo inaceitavelmente altas, quiçá até fraudulentas. Regressando à entrevista ao responsável máximo do Hospital de São João, no Porto que, recorde-se foi considerado pelo terceiro ano consecutivo como o melhor hospital público do País - imagine-se só os abusos que deverão existir nos hospitais do fundo de tabela... -, António Ferreira mencionou ainda que as comparticipações públicas das intervenções cirúrgicas que são realizadas nos operadores privados, devido à incapacidade dos operadores públicos em realizá-las em tempo útil, chegam a ser cinco a seis vezes maiores que as comparticipações pagas pelas mesmas cirurgias nos hospitais públicos! Ou seja, o Estado, a fim de resolver listas de espera, paga ao privado cinco a seis vezes mais que ao seu operador público. Naturalmente, o sistema de incentivos acaba viciado logo à partida e, em vez de fomentar a produtividade nos hospitais públicos, na realidade, desincentiva-a. Em suma, o combate à improdutividade da economia portuguesa tem de começar no seu elo mais ineficiente, mais opaco e mais improdutivo: no Estado.  

Por indicação do autor, este artigo não segue ainda o novo acordo ortográfico
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