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Pedro Arroja
Só o tempo pode curar
06-03-2009
Em meados do século  XVII, no auge da expansão colonial da Holanda, ocorreu no país uma episódio que ficou famoso na história da economia por ser o primeiro do seu género, e que deu fama a uma das belezas naturais do país - as túlipas. O episódio ficou conhecido por tulipomania e consistiu numa enorme bolha especulativa com túlipas.

No auge da especulação, em 1637, as túlipas transaccionavam-se a preços equivalentes a dez vezes o rendimento anual de um trabalhador especializado. 
A crise económica a financeira actual tem uma semelhança essencial com o episódio das túlipas na Holanda - é uma tulipomania generalizada a muitos bens e serviços, como os activos financeiros, o imobiliário e até o trabalho. Eu gostaria, por isso, neste artigo, de utilizar esse episódio, com uma dupla finalidade. Primeiro, para salientar duas características do sistema de mercado que têm sido frequentemente omitidas. Segundo, para descrever aquilo que nos espera como consequência da presente crise.
O sistema de mercado tem sido frequentemente definido como um mecanismo de afectação dos recursos. Porém, aquilo que ele é, em primeiro lugar, é um mecanismo de justiça, que visa resolver de forma pacífica e justa uma litigação entre duas partes com interesses opostos -  compradores e vendedores. O veredicto desta litigação é o preço. Num sistema de mercado em que ambas as partes aceitam  transaccionar bens e serviços a um preço que é livremente aceite pelas duas, ninguém se pode queixar de ter sido tratado injustamente. O preço do mercado representa o compromisso de equidade ou de justiça entre comprador e vendedor e é neste sentido que o mercado é um sistema de justiça.
Admitamos então que o custo  médio de produção das túlipas é de 10 euros por unidade, incluindo o lucro normal do empresário (isto é, aquela remuneração que lhe permite manter-se no negócio), mas que as túlipas, no auge da tulipomania, se transaccionam a 500 euros a peça. Será este preço justo? A resposta é afirmativa, ninguém obrigou ninguém a comprar ou a vender túlipas ao preço de 500 euros por unidade. Ninguém se pode queixar. O preço de mercado é uma solução justa no processo de litigação entre compradores e vendedores. Mas será ele uma solução verdadeira, será ele uma resposta de verdade à questão de saber qual é o verdadeiro valor das túlipas? A resposta agora é negativa. Tomando o custo médio de produção das túlipas (10 euros) como critério da verdade,  o preço de mercado de mercado (500 euros) não tem nada que ver com ele. A conclusão é então a seguinte: o sistema de mercado é um sistema de justiça - ele produz justiça, mas não necessariamente verdade,
Segue-se que uma bolha especulativa é essencialmente uma crise de verdade -  o preço de mercado das túlipas está muito afastado da verdade, do seu verdadeiro valor que é dado pelo seu custo unitário de produção (incluindo o lucro normal). E a crise vai resolver-se somente quando os preços descerem à realidade - que significa verdade.
É neste ponto que gostaria de voltar à crise actual. É uma crise como a das túlipas, mas mais generalizada. Começou com o colapso em bolsa dos títulos representativos das hipotecas sub-prime, cujos preços não tinham nada que ver com o valor dos activos subjacentes. Depois ampliou-se a todos os bens e serviços, incluindo o trabalho, cujos preços estão agora a baixar generalizadamente. A crise só vai parar quando os preços voltarem à realidade, que é, em última instância, o custo médio de produção das coisas, incluindo o lucro normal do empresário.
E o que se vai passar até lá? Em primeiro lugar, um crash  dos preços, isto é, uma deflação generalizada.. Este crash já se produziu de forma mais visível nos preços dos activos cotados em bolsa e no imobiliário, mas está agora a atingir os preços de todos os outros  bens e serviços, incluindo os salários.
Em segundo lugar - e este é o aspecto mais dramático da crise - a crise vai provocar falências e desemprego em massa. Todos os produtores que entraram no mercado a produzir túlipas ao custo médio de 180 euros por unidade obtinham grandes lucros quando o preço de mercado era de 500 euros. Mas agora que o preço de mercado converge para o verdadeiro valor das túlipas (10 euros), esses produtores vão ter de ir maciçamente à falência.
Em terceiro lugar, as políticas económicas convencionais - como as políticas monetária, fiscal e cambial - não são eficazes para lidar com esta crise, que é uma crise da verdade. Tome-se o caso da política monetária, a qual visa encorajar as pessoas a comprar, tornando o preço do dinheiro mais barato. Mas quem, no seu perfeito juizo, vai comprar túlipas, mesmo se o seu preço já desceu para 250 euros a peça? Esta é uma crise que só o tempo pode curar. 
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