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Mário Jorge Carvalho
Carta aberta a um bispo
20-07-2012
Para além de muitas outras coisas que já esqueci para não me martirizar mais, tu estiveste presente em alguns momentos cruciais da minha vida - ouviste--me e aconselhaste-me vezes sem conta enquanto eu reclamava contra a vida e, enfim!  batizaste-me um filho.

Quando foste para Lisboa, alguns de nós misturaram dois sentimentos - o de saber termos-te perdido para sempre (a cosmopolitice esteve sempre no teu sangue, humano como és) e o de algum alívio por ver a Santa Sé, com a sua sabedoria diplomática, ter de facto recuperado um Padre fazendo-te Bispo.
Durante todos estes anos, nós, aqui no Porto, acompanhámos-te no que podíamos, rezando, por exemplo, para que a tua superior inteligência e excecional preparação académica te ajudasse a conceituar verdadeiramente a tua missão pastoral.
Vi-te, um dia, na televisão, num avião legitimamente barulhento por uma vitória festejada do teu Futebol Clube do Porto - e, a partir desse dia, certamente alguns menos preparados terão admitido que a Igreja, afinal, nada tem a reprovar a alguns homens públicos ...
Durante todos estes anos, não me lembro de alguma vez te ter ouvido acerca do incomensurável e corrosivo poder das corporações, a começar daquela de que és Bispo. De facto, Querido Padre, o teu silêncio foi ensurdecedor no que às nossas Forças Armadas diz respeito.
O desperdício de gasto numa estrutura organizacional escandalosa e quase totalmente invertida; a incompreensível inoperância na desmobilização de ativos que tanto poderiam ter contribuído para o acerto financeiro das contas públicas; a inconcebível diferenciação dos cuidados de saúde, durante décadas mantida como prorrogativa luxuosa de uma corporação em falência de conteúdo visionário; a imposição de investimentos sempre e só sob o permanente e desgastado argumento "porque sim ..." - a tudo isto passaste à frente, esqueceste, não assumiste a denúncia, enfim, tacitamente sempre defendeste a tua posição hierárquica e funcional.
Ninguém pode obviamente levar a mal a tua actual, assumida, não repudiada e pública opção ideológica de esquerda pura e dura - e quem acompanha as tuas afirmações públicas nunca a colocará à direita do Bloco de Esquerda. Estás no teu pleno direito - só que, meu Querido Padre, estás desastradamente a perder coerência e até, no fundo, credibilidade. Quem se atira, como tu, a quase tudo o que mexe para não tocar no que é efetiva e funcionalmente corresponsável corre o risco inapelável de diletantismo congénito inamovível.
O país está exausto, exangue, paupérrimo e sem futuro - na verdade, podemos estar a assistir às horas do fim. A pobreza explícita e envergonhada, acima de tudo nesta tua terra que deixaste de conhecer e viver, atinge montantes assustadores.
O que a todos nós mais enfurece, pela injustiça implícita que está no conceito, é que a "culpa é de todos os portugueses" que se endividaram e alavancaram como doidos. Não, Querido Padre, não foram todos os portugueses - foram, essencial e nuclearmente, as elites económica, financeira, burocrata e castrense que ainda hoje vivem num raio de vinte quilómetros ao redor da tua Av. Ilha da Madeira, e com quem trocas permanentes sorrisos, segredos, festas e convivências.
Deixa-te de fazer juízos de valor, Querido Padre!, conceitua uma vez por todas a tua pastoral e joga o prestígio que te resta na verdadeira luta pela justiça e não no sonho de te tornares num justiceiro deste país.
Não podes, não deves, não te fica bem, a espada desembainhada na defesa de valores que não são da justiça e da equidade mas que, ao contrário, aparentam ser de puro populismo peronista de um Padre que todos sabemos materialmente rico.
Durante anos envaidecias-
-me perante terceiros com um elogio: eu teria sido o primeiro a chamar a tua atenção, muito poucos dias depois do 25 de Abril, para o incomportável desvario em que tudo se estava a transformar. Da tua "cabecinha intelectualmente de ouro" esperamos intervenções sustentadas, robustas e que nos façam pensar e actuar - ao contrário, decidiste, por tua alta recreação, embebedares--te com o impacto mediático do soundbite. É pena - a tua qualidade merecia muito mais. Um enorme abraço com saudade deste teu amigo. 
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