09-11-2012 Michel Barnier, Comissário Europeu para o mercado interno e serviços, afirma "A Europa deve reencontrar uma ambição industrial"
A Europa deve contrariar a tendência para ser subcontratante e consumidora de produtos fabricados na China ou nos Estados Unidos - disse Michel Barnier à "Vida Económica", em Bruxelas. O comissário europeu para o Mercado Interno e Serviços afirma que a Europa deve reencontrar uma ambição industrial. A manter-se a tendência atual, deixará de haver países europeus entre as oito maiores economias do mundo. Para relançar a atividade produtiva, Michel Barnier defende o aumento da competitividade através da redução dos custos do trabalho e dos custos exagerados que incidem sobre as empresas.
Vida Económica - Ao celebrar o 20.º aniversário do mercado único, o seu objetivo é reconciliar o cidadão, o consumidor e as PME com o projeto concretizado em 1992?
Michel Barnier - Sim, mais que fazer discursos nostálgicos e melancólicos, temos que ser proactivos e corresponder ao que esperam os empresários e os cidadãos que se sentem atingidos pela crise. Essas pessoas esperam ações concretas.
Os prazos da democracia são mais longos que os prazos dos mercados. Recordo que entre o momento em que apresentamos uma proposta de lei e a sua concretização são necessários 12 a 24 meses.
Identificámos 60 aspetos concretos que permitem aumentar a mobilidade, as exportações, a inovação, o capital de risco, o empreendedorismo social, o acesso das PME aos mercados públicos, o mercado digital. Todos esses aspetos concretos que interessam ao quotidiano das pessoas foram analisados. Já entregámos cinco dezenas de propostas que vão em breve ser votadas.
VE - Essas propostas também incidem sobre o setor bancário?
MB - No setor bancário já fizemos bastante para tirar lições da crise. A reforma que estamos a executar pretende que nenhum operador, nenhum produto financeiro fique fora de uma regulação e supervisão eficazes. Nós queremos também fazer mais pelos consumidores e pela sua proteção. Por isso vão ser apresentados nas próximas semanas vários diplomas sobre a transparência das despesas bancárias e do acesso às contas bancárias de base de onde estão excluídos seis milhões de cidadãos.
VE - Acabamos de ouvir Jacques Delors e Mario Monti. Como resume as suas intervenções?
MB - Jacques Delors esteve na origem do mercado único mas diz e bem sobre a crise que ele vive como nós, que o mercado precisa de ser completado, que não funciona de forma suficientemente eficaz para os cidadãos, para a economia e para o social e para a política também.
Mario Monti fez em 2009 um diagnóstico muito lúcido sobre o mercado único. Ele disse que continuaria a ser no seio do Conselho Europeu um membro ativo para a reconciliação do mercado único com os cidadãos e as pequenas empresas.
VE - Um dos temas em que se tem empenhado é a patente europeia?
MB - A patente europeia simboliza o que atrás afirmei. O mercado único é a base. As empresas, os laboratórios que se dedicam à investigação e desenvolvimento, os organismos do Estado, todos eles serão mais eficazes se houver patentes e marcas europeias. Se não houver, será mais fácil haver pirataria e contrafação. Se as empresas não se protegerem porque o processo sai demasiado caro, as iniciativas privadas e públicas para a investigação são menos eficazes.
Nesse sentido, propusemos uma nova lei para a patente europeia.
VE - Qual é a diferença de custos de uma patente na Europa e nos Estados Unidos?
MB - O encargo da patente para uma empresa na Europa que se quer proteger minimamente é de 24 mil euros. É um custo demasiado caro. Nos Estados Unidos, o custo da mesma proteção para todo o território americano é de 2400 euros, ou seja, dez vezes menos.
Temos que reduzir esse défice de competitividade
VE - Na Cimeira Internacional de Cooperativas, que decorreu no Canadá, foi referido pelos bancos mutualistas que o cooperativismo é a solução para a crise. Qual é a sua opinião?
MB - As cooperativas, sejam unidades de produção instituições financeiras, fazem parte da paisagem da economia social que deve ser consolidada e desenvolvida, numa lógica de competitividade. As cooperativas têm condições para ser competitivas.
Desejo preservar a todo o custo a diversidade da paisagem nas formas de organização. Há cooperativas e organizações mutualistas. Um dos pontos que identificámos para o relançamento do mercado único é a criação do estatuto europeu da cooperativa renovada para suportar a economia solidária e a empresa social.
VE - Há um relatório inquietante que aponta para a inexistência em 2050 de Estados europeus no G8?
MB - Não se trata de uma relatório mas sim de um quadro publicado pelos serviços do Governo britânico que mostra porque é que se deve ser europeu. E não deixa de ser curioso que tenha sido preparado pelos britânicos.
Esse quadro mostra que em cada 10 anos, a partir de agora, há um país europeu que deixa de estar entre as 10 maiores potências do mundo no plano económico. Se a evolução se mantiver, em 2050 haverá apenas um ou dois países europeus nos dez principais e nenhum país europeu nos oito principais e consequentemente no G8.
Eu não quero que a Europa se torne subafluente e subcontratante e apenas consumidora de produtos fabricados na China ou nos Estados Unidos. É preciso que a Europa reencontre uma ambição industrial, com uma base produtiva. É preciso que estejamos de acordo, que cooperemos para que a Europa seja uma força na indústria e na política para estarmos entre os 10 primeiros ou mesmo entre os principais atores globais no mundo.
VE - Uma das fraquezas da França é a diferença de 12% nos encargos sociais face à Alemanha?
MB - Há uma fraqueza de competitividade na Europa que é bem conhecida. Torna-se imperativo fazer um esforço em França para que o custo do trabalho seja tão competitivo como na Alemanha e nos outros países. É uma questão vital para criar emprego em França.
VE - Que mensagem podemos ter hoje para os jovens para que eles não percam a esperança?
MB - O projeto continua a ser o mesmo. Continuo fiel aos princípios da Europa de Jacques Chaban Delmas e de Jacques Delors de uma França europeia e de uma nova sociedade onde saibamos aliar a solidariedade à eficácia económica, à solidariedade entre os povos e as pessoas. É uma economia social de mercado competitivo que colocámos no centro das prioridades para relançar o mercado único.
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Jean Louis Courleux com João Luís de Sousa, em Bruxelas-jlsousa@vidaeconomica.pt |
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