07-12-2012 Autor do livro "Banca e Empresas - Parceiros" aponta caminho do diálogo "Banca vai voltar ao tradicional"
"A banca vai voltar ao tradicional", de acordo com o autor do livro "Banca e Empresas - Parceiros", António Guimarães Pimenta. "Vai captar recursos aos clientes, sob a forma de depósitos, e recolocá-los na economia", explica aquele experiente profissional da banca (é diretor comercial Norte do Montepio), que atribui ao setor financeiro uma quota-parte no sobre endividamento que se atingiu. A mensagem principal do livro, editado pelo grupo Vida Económica, é incentivar bancos e empresários a dialogarem.
Vida Económica - É possível falar em parceria entre empresas e bancos quando a generalidade dos empresários se queixa de falta de financiamento?
António Guimarães Pimenta - É possível e é obrigatório e a minha experiência tem-me mostrado que é possível. O tema do livro aborda as microempresas e PME, que constituem 98% do tecido empresarial português e metade do negócio [bancário] em Portugal. Estas são empresas pequenas, mas que são as que criam emprego e têm de dialogar com o banco. É possível e necessário dialogar com o banco, mas por que não se faz isso? A minha mensagem com este livro é incentivar bancos e empresários a promoverem esse diálogo. Quando quero apoiar um cliente, tenho primeiro de perceber o negócio, quem é o empresário e o que ele precisa. Se eu perceber isso, posso desenhar-lhe uma solução a aconselhar. O que acontece é que, a partir de meados da década passada, os bancos adotaram, e bem, a análise de riscos. Qualquer negócio tem riscos e alguns desses podem ser controlados. Para isso, é preciso ter alguns dados. Antigamente, não era tanto assim, era mais pelo conhecimento pessoal. Hoje, há determinados modelos estatísticos que indicam que determinados tipos de pessoa ou empresa têm maior ou menor probabilidade de perda. No entanto, o que se perdeu um pouco na generalidade do setor bancário é que estes modelos estatísticos passaram a ser a informação principal. No caso das empresas, pega-se nos dados dos últimos três anos e chega-se à conclusão de qual o risco.
VE - Os empresários queixam-se justamente que os gestores de conta que os contactavam a oferecer financiamento foram os mesmo que, de um dia para o outro, deixaram de conceder.
AGP - Isso tem, também, a ver com a conjuntura económica. Agora, a verdade é que a informação sobre as empresas pequenas é muito fraca. Se eu fizer depender dessa informação as decisões, arrisco errar. Depois, quem decide o crédito, por norma, nem sequer são os gerentes, que são uma figura que também tento recuperar no livro. O que acontece é que se eu, como gestor de conta ou gerente, acompanhar o empresário, o seu negócio, analisar os seus movimentos, questionar qual a aplicação dos valores financiados, provavelmente percebo mais depressa de onde surgem os problemas. Mas se eu me preocupar ainda mais e procurar encontrar a solução adequada para o seu problema, respeitando os seus interesses, provavelmente consigo dialogar com o empresário. Mas perguntava-me que os empresários dizem que tinham crédito e de repente deixaram de ter...
VE - Afirmam que lhes fecharam a "torneira"...
AGP - Essa é outra questão. Havia um processo de euforia na banca, em que o dinheiro era quase de borla, interessava era colocar o dinheiro no exterior. E como as pessoas vivem de prémios por cumprimento de objetivos, não tinham problemas em fazê-lo. Acreditava-se que haveria uma saída, porque o dinheiro era barato, não precisava de ter muita rendibilidade e o bancário, como vendedor, precisava de cumprir objetivos, sendo premiado por isso. Podia não os cumprir bem, mas cumpria-os. Por isso é que falo em ética no livro. A ética tem a ver com algo muito simples: "Nunca faças aos outros o que nunca gostarias que te fizessem a ti". Se eu tiver esta consciência, quando estou a falar com um empresário, eu próprio ponho-me na sua posição e procuro perceber o que gostaria que me propusessem. Aliás, é esta a mensagem que passo aos gestores bancários. Quando chego a este estado, encontrei a solução. Então, vou servir o cliente da melhor forma, respondendo às suas necessidades, sem vender produtos, eu não sou adepto da venda de produtos, mas da venda de soluções.
VE - Essa reconquista de ética na banca que aborda no "Banca e empresas - Parceiros", pode ser o lado bom de uma crise mundial e nacional?
AGP - A adoção da ética, em qualquer área de negócio, é essencial. Eu sempre defendi isso. Devo dizer, aliás, que me senti um derrotado durante anos. Estou a caminhar para 47 anos de experiência profissional, aquilo que vivi é que me permite defender certos princípios, mas durante vários anos não consegui passar a mensagem. Porquê? Era a euforia. Uma pessoa precisava de comprar casa, chegava a um banco e diziam-lhe "não há problema, valoriza-se por mais, leve para a casa, para o carro, etc.". Isto porque o dinheiro era barato. Os bancos não tinham dinheiro para isso, mas iam pedir crédito, porque ainda era barato, compravam com spread de 0,2% e depois vendiam a 0,5%, 0,7 ou 1%, já estavam a ganhar dinheiro. Não digo que esta atividade fosse má, o que trouxe foi os problemas que temos hoje. De resto, até conseguiu levar muita gente a ter habitação própria, embora, no presente, levante problemas para a mobilidade das pessoas.
VE - O setor vai mudar?
AGP - A banca vai voltar ao tradicional, não vai ser dos swaps, dos derivados. Vai captar recursos aos clientes, sob a forma de depósitos, e recolocá-los na economia, particularmente junto das empresas, para estas últimas funcionarem e criarem riqueza. É natural que o nível de crédito também reduza, porque, durante anos, os bancos fizeram muito mais crédito do que os recursos captados. Não poderemos voltar ao que existia há algumas décadas em que os bancos não emprestavam mais de 70% do que captavam. No entanto, com a euforia de que falo, desde há cerca de 15 anos, passou-se para um rácio de 180%, mesmo de 200% em alguns casos. Acontece que a "troika" já definiu que, até 2014, aqueles rácios não podem exceder 120%. Ou há aumento de depósitos ou redução do crédito, que é o que já está a acontecer. Como há muitos créditos de longo prazo, como o à habitação, quem sofre são as empresas.
VE - As empresas que, por outro lado, nem sempre têm noção dos indicadores a cumprir para obter financiamento.
AGP - Sem dúvida. Dou como exemplo as chamadas contas caucionadas, algo que eu, não defendo. Isto porque se eu como empresário, tiver ali, por exemplo, 100 mil euros disponíveis, tenho dois problemas: primeiro, relaxo as cobranças aos clientes, e o dinheiro financiado tem custos; e segundo, tendo dinheiro disponível, aumento os riscos de descurar os investimentos, que faço, pois posso sentir a tentação de usar aquele valor, por exemplo, na compra de equipamentos, quando as contas caucionadas devem ser usadas apenas gestão quotidiana de tesouraria. Se não houver esse cuidado, o empresário pode endividar-se e depois passa a vida nos bancos em vez de dedicar-se à atividade em que é entendido. Em suma, os empresários precisam de saber com muito rigor quanto é que as coisas lhes vão custar. Para isso pode ser importante haver aconselhamento da gestão financeira. Os empresários conhecem bem o seu negócio, mas, se não tiverem cuidados com a gestão, correm riscos.
Livro foi apresentado esta semana
O "Banca e empresas - Parceiros" foi apresentado esta semana em Lisboa e Porto. Editado pelo grupo Vida Económica, o livro resulta da experiência de 47 anos de António Guimarães Pimenta na banca e aborda a realidade atual e os paradigmas com que se deparam clientes e banca, tendo em consideração exemplos práticos. O livro já está disponível nos vários canais de distribuição, entre os quais a loja online do grupo editorial Vida Económica (http://evida-store.com/).
"A abordagem do crédito na ótica do clientes e na ótica bancária com objetivos pedagógicos onde se tenta sensibilizar para a importância de poupar e nos prepararmos para os momentos mais difíceis não foram menosprezados. A importância de refletir e de aprender com experiências alheias nacionais ou estrangeiras prepara o leitor para evitar facilitismos", refere António Tomás Correia, presidente do Montepio, no prefácio. A nota de apresentação é da responsabilidade de José António Barros, presidente da AEP.
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Aquiles Pinto-aquilespinto@vidaeconomica.pt |
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