16-11-2012 Joachim Pfeiffer, Porta-voz de economia do Grupo Parlamentar do CDU/CSU Portugal pode ser o próximo país a recuperar a confiança dos investidores
"Não estamos perante uma crise monetária, mas sim perante o endividamento excessivo de alguns países que durante anos se financiaram com baixas taxas de juro" - afirma Joachim Pfeiffer. Em entrevista concedida à "Vida Económica" em Berlim, o deputado e porta-voz de economia do Grupo Parlamentar do CDU/CSU no Bundestag admite que, depois da Irlanda, Portugal seja o próximo país a recuperar a confiança dos investidores. Os cortes e as reformas dolorosas são imprescindíveis.
Na entrevista conduzida por João Kramer, o político alemão defende mais reformas estruturais para Portugal como único caminho para o regresso ao crescimento sustentável.
Vida Económica - Como vê Portugal no presente e no futuro?
Joachim Pfeiffer - Portugal está a enfrentar o maior desafio económico desde a "revolução dos cravos" de 1974. Se tivermos presente a boa posição que Portugal ocupava há cerca de uma década, entendo bem os medos e as preocupações dos portugueses. Na viragem do século o desemprego situava-se por volta dos 4% e, hoje, está na casa dos 15,7% e ultrapassa a média europeia nuns bons cinco pontos percentuais. A juventude portuguesa é designada pela imprensa alemã como a "verlorende Generation" ou geração perdida, tendo em conta a taxa de desemprego juvenil que anda na casa dos 35,1%. Em termos comparativos, a taxa de desemprego juvenil na Alemanha situa-se nos 8%, e precisamente essa mesma taxa de desemprego atinge os jovens com estudos superiores.
O setor industrial é fortemente atingido pela crise. Perante uma contração do PIB de 2011 em 1,6%, a produção industrial caiu 7,5 % e com isto Portugal está perante uma ameaça de "desindustrialização" confirmada pelos dados do Eurostat a produção industrial em 2011 situava-se cerca de 20% abaixo do nível de 2002. Mesmo tendo como pano de fundo as elevadas taxas de crescimento da indústria alemã, em crise, é visível a fraca competitividade da indústria em Portugal.
Há pouco mais de dez anos, o "doente" da Europa não eram os Estados do Sul, mas sim a Alemanha. Mas os cortes e as reformas dolorosas marcaram a viragem e, como resultado, o meu país está hoje numa situação muito melhor.
Estou convencido de que Portugal também o vai conseguir fazer. Já existem os primeiros sinais: as reformas já efectuadas e as avaliações trimestrais efetuadas pela "troika" tiveram um resultado positivo.
Portugal poderá, a partir de 2015, prescindir das ajudas e, como tal, ser um exemplo a apontar para os casos como a Itália, a Grécia e Espanha. Foram impostas aos portugueses reformas dolorosas, mas necessárias: medidas de austeridade como a suspensão do 13º e 14º mês na função pública e reformados, a suspensão do reajuste das pensões à inflação por 2 anos, a reestruturação do mercado de trabalho através da flexibilização dos horários, mexidas nas causas de despedimento, medidas de liberalização no sector da energia e correios, assim como no arrendamento e privatizações, no valor de cerca de 3300 milhões de euros. As duras reformas do Governo português mostram um profundo impacto: para 2013 prevê-se um pequeno crescimento do PIB de 0,3% e a necessidade de financiamento diminuiu no ano passado para 2600 milhões de euros. Depois da Irlanda, Portugal poderá ser o próximo país em que os investidores voltam a confiar.
Porém, continua a ser um facto que a saída da crise só poderá ser alcançada com consolidação e crescimento. O tempo que se ganhou com os apoios obtidos deve ser utilizado para mais reformas estruturais que traduzam um significativo afastamento do ritmo de crescimento do passado: afinal, o crescimento através de infraestruturas cinzentas como a construção de estradas, um "inchar" do sector público ou mercados imobiliários especulativos, é pouco sustentável. Portugal tem que apostar mais fortemente no crescimento através da pesquisa científica e desenvolvimento, pois está provado que isto tem efeitos positivos no mercado de trabalho, na capacidade competitiva e em termos de receitas fiscais.
Mas, no presente, Portugal ainda está longe destas metas: a quota de investimento em I&D no PIB está bastante inferior à alemã e longe do nível da OCDE, e a percentagem de licenciados da população ativa [25-64 anos: 14,7%] está pouco acima do último lugar da Europa que é ocupado pela Itália [14,5%]. Se atendermos ao facto de existir apenas 1,9 patente por um milhão de habitantes, o sucesso é reduzido, pois na Alemanha o valor situa-se nas 70 patentes. As reformas estruturais também são necessárias no sector da educação.
VE - Considera que existe uma crise do euro ou antes uma crise em alguns países da Zona Euro?
JP - Muitos acham que a nossa moeda comum é a responsável pela crise. Contudo, não estamos perante uma crise monetária, mas sim concretamente perante o endividamento de certos países que durante anos se financiaram com baixas taxas de juro, e que levou a que muitos vivessem acima das suas possibilidades. Estados como, por exemplo, a Grécia só consumiram, sem desenvolver a sua própria capacidade competitiva. As consequências são um envidamento estatal extremamente alto, um sector público "inchado" e a falta de reformas estruturais, sem as quais a competitividade da economia fica extremamente limitada.
O Euro, no entanto, é e continua a ser uma "história de sucesso", o que é essencial para a União Europeia. As preocupações relativamente à falta de estabilidade não se têm verificado, e, pelo contrário, verificou-se que o Euro tem sido mais estável que o marco alemão. Antes, uma empresa que atuasse em toda a Europa tinha que acautelar-se com as flutuações cambiais, para que a relação entre os custos de produção e as receitas das vendas não fosse negativa. Com a estabilidade cambial a economia alemã consegue poupar anualmente dez mil milhões de euros, havendo o mesmo benefício nos outros países.
A minha esperança é de que a actual crise da dívida seja um ponto de partida para uma política fiscal sustentável, de modo a que, nos próximos 15 anos, a estabilidade estrutural seja uma evidência na Europa.
VE - Deveria ter havido uma atuação mais rápida por parte da União Europeia para corrigir os desvios nos países que ultrapassaram os limites estabelecidos?
JP - Sim, aqui faltaram claramente os necessários mecanismos de controlo. No "campo de tensão" entre a disciplina orçamental de toda a Europa e as soberanias nacionais, estas conseguiram prevalecer.
Mas também os bancos contribuíram para a crise do endividamento, não se preocupando suficientemente com a situação dos países devedores. O mesmo deve ser dito sobre as agências de rating. Eles estiveram pura e simplesmente "a dormir" e a consequência foi a necessidade de medidas de apoio de elevado custo para instituições financeiras que, por sua vez, a nível nacional, agravaram o endividamento.
Mesmo já antes da crise o meu partido alertava para o facto de a política monetária comunitária do Euro estar a pôr de lado uma melhor coordenação das políticas financeiras e económicas. Concretamente, a Zona Euro necessita de medidas de poupança e reformas obrigatórias, assim como de sanções automáticas para que os Estados não vivessem permanentemente acima das suas possibilidades. Só assim a união monetária se pode tornar numa união de estabilidade, aumentando o seu peso a nível mundial. O passado recente mostrou-nos o quanto é importante reprimir os riscos decorrentes do mundo financeiro. Atualmente, a criação de uma supervisão bancária europeia é um passo importante que eu vejo com grande entusiasmo.
A chave para ultrapassar esta crise é o aprofundamento da integração europeia. No passado, a Europa sempre foi forte quando falava a uma voz, e fraca quando os Estados membros tinham e defendiam interesses diferentes.
VE - Que alternativas existem para a recuperação das economias em dificuldade e qual deve ser o papel da Alemanha?
JP - Há que esclarecer desde já que a coletivização das dívidas não é justa e faz tão pouco sentido tal como a coletivização dos bens. É inaceitável que as poupanças dos alemães sejam responsáveis pelas dívidas dos outros Estados. Daí, não se trata de proteger a Europa e a zona Euro com elevados montantes de dinheiro, mas antes de dar o tempo necessário aos países que estão em dificuldades para resolver os seus próprios problemas. Trata-se de uma ajuda à autoajuda! Os países em causa devem trilhar o difícil caminho da consolidação orçamental e introduzir nos seus países as necessárias reformas estruturais. Ao mesmo tempo, deve ter-se o cuidado para que da crise de endividamento de alguns países não resulte uma crise de estabilidade na zona Euro.
A Alemanha já fez muito. Apesar dos legítimos protestos dos contribuintes alemães, o Governo alemão já contribuiu muito para o fundo de resgate para combater a crise de endividamento. Em contrapartida, a "política alemã" espera que os países endividados implementem a curto prazo as necessárias e incómodas reformas estruturais. Estas incluem uma rápida flexibilização dos mercados de trabalho e uma reforma dos sistemas de segurança social. Os países devem garantir o seu desempenho e o funcionamento do sistema judicial, e necessitam de um efectivo sistema tripartido, executivo, judicial e legislativo para lutar contra a corrupção e a economia do compadrio. Também deve ficar claro que o Estado não é o melhor empresário e deve concentrar-se ao seu papel originário, ou seja, a garantia das condições básicas de funcionamento do Estado. Portugal abraçou estas reformas com determinação e está no bom caminho.
VE - O mercado único que celebra o seu 20.º aniversário é compatível com a diversidade de normas entre os Estados membros, ou seja, pode existir livre circulação de pessoas, capitais e mercadorias, apesar das grandes diferenças de regras na fiscalidade, mercado de trabalho e segurança social?
JP - O mercado único deve ser visto como uma história com 20 anos de êxito: desde a sua criação o rácio de produtos comercializados dentro da UE aumentou dos 12% de todos os estados membros para 22% do PIB no ano de 2011. Sem o mercado único o PIB dos 27 Estados membros teria hoje desaproveitado cerca de 233 mil milhões de euros. De um ponto de vista puramente matemático, cada cidadão da UE tem hoje um rendimento de mais 500 euros, do que teria sem o mercado único. A criação do maior mercado interno do mundo levou à criação de 2.770.000 novos postos de trabalho. O mercado único também conseguiu afastar as divergências entre normas nacionais e normas comunitárias. Mas os êxitos poderiam ser ainda maiores se se conseguisse eliminar ainda algumas barreiras comerciais e área económica fosse ainda mais harmonizada.
A Alemanha esta juntamente com os outros Estados empenhada em tornar o orçamento comunitário mais efetivo no fomento do crescimento em regiões da Europa com dificuldades estruturais com vista a atingir um crescimento e uma maior competitividade na Europa como um todo, com medidas para aprofundar o mercado único europeu, para fortalecer o Banco Europeu de Investimento, e para mobilizar o investimento privado para grandes projectos de infraestruturas. A crise também revelou que jovens em algumas partes da Europa tenham menos oportunidades de participação no mercado de trabalho. O combate ao desemprego dos jovens é um objectivo primordial de todos os Estados membros e constitui um apoio concreto, os programas estruturais e de adaptação dos países em crise, os programas de reformas dos outros Estados e também a utilização efetiva do Fundo Social Europeu.
A chanceler alemã também contribui com o "Euro-Plus-Pakt", da sua autoria, para o fortalecimento da coordenação orçamental e de política fiscal com vista a uma melhoria da competitividade europeia. Também temos iniciativas como a estratégia "Europa 2020" e os programas de reforma nacionais que permitem mais competitividade, mais crescimento e uma maior integração económica na União Europeia.
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