12-10-2012 Azevedo Rodrigues, bastonário da OROC, avisa "A fatura fiscal tende a ser insuportável"
O Governo está a seguir uma política fiscal que terá mais impactos negativos aos níveis social, económico e do crescimento, do que benefícios em termos de cobertura do défice público. O nível de tributação do rendimento das empresas deveria ser bastante mais reduzido, no caso de estas procederem ao reinvestimento dos lucros, refere em entrevista à "Vida Económica" Azevedo Rodrigues.
O bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) acredita que o problema do valor da dívida soberana e das dificuldades governamentais em suster o défice se vai manter ainda durante alguns anos, o que se traduzirá em mais "economia paralela" e num aumento da "fuga fiscal", adiantou o bastonário, no âmbito do 40º aniversário da instituição da profissão.
Vida Económica - Como vê a OROC a política fiscal do atual Executivo?
Azevedo Rodrigues - Com grande preocupação, antevendo impactos mais nefastos no domínio social, na economia e no crescimento, do que benefícios em termos de cobertura do défice público. O crescendo de tributação, ao provocar perda do rendimento disponível irá traduzir-se numa perda do poder de compra e, por conseguinte, redução na procura interna afetando negativamente os negócios das empresas, ou seja, menos receita fiscal e gerando desemprego, logo, mais despesa pública. Do ponto de vista de atratividade, Portugal não motiva quer o investimento nacional, quer o estrangeiro, pois a fatura fiscal tende a ser insuportável face ao reduzido rendimento médio dos portugueses que continuam a empobrecer e a perder motivação. Os tradicionais modelos económicos que têm servido de base para o crescimento da tributação e para a redução do poder de compra pecam por não contemplarem variáveis relacionadas com o comportamento humano, as suas motivações, o seu empenho, as suas competências e o seu envolvimento, determinantes para o sucesso das empresas e, por conseguinte, do país.
VE - O que deveria então ser feito a nível fiscal para tornar o país mais competitivo?
AR - O nível de tributação do rendimento das empresas deveria ser bastante mais reduzido, no caso de estas procederem ao reinvestimento dos lucros. Também o reconhecimento de custos fiscais para o capital investido pelos próprios empresários poderia contribuir para aumentar a propensão para financiamento por capitais próprios e não apensas recorrer a crédito bancário ou equivalente que, para além de provocar custos insuportáveis para muitas empresas, lhes criam riscos de incumprimento e de dependência financeira. Estes dois fatores aumentavam a atratividade para o investidor e contribuíam para que o nosso tecido empresarial fosse financeiramente mais equilibrado. O elevado grau de endividamento bancário estrangula a capacidade de geração de valor das empresas e é o resultado da nossa cultura financeira ao considerar que o "endividamento" e respetivos juros são fatores de "alavancagem" financeira para a maioria das empresas. No que concerne à quase totalidade das nossas micro, pequenas e médias empresas uma das iniciativas fiscais com real impacto muito positivo na sua tesouraria seria substituir o atual regime de IVA pelo "método das faturas" por um regime de IVA com base nos fluxos de caixa, em que o apuramento resultaria do saldo entre os valores recebidos e pagos e não pelos montantes liquidados e suportados. A incapacidade negocial deste tecido empresarial, não apenas as limita nas suas relações comerciais com os seus parceiros (preços, prazos, etc.), como ainda é agravada pelo atual regime de IVA. Estou certo de algum impacto fiscal ligeiramente negativo num primeiro momento para a arrecadação de receitas públicas, mas os benefícios que tal regime traria no combate à fuga e fraude fiscais em sede deste imposto, constituiria um inegável contributo para que as relações entre parceiros fossem mais justas e financeiramente mais equilibradas e sustentáveis e para que o país seja mais competitivo.
VE - Quais as perspectivas no que toca à tributação que recai sobre as empresas?
AR - Não são muito positivas. O problema decorrente do valor colossal da dívida soberana e das dificuldades governamentais em suster o défice irá manter-se ainda durante alguns anos e isso pressionará qualquer executivo em agir sobre a fonte de receita com impactos imediatos e que não exige grande capacidade de inovação de quem governa, mas apenas de "legislação". Também, o elevado nível de tributação com que atualmente convivemos está a gerar um forte crescimento da economia paralela e uma propensão para a "fuga fiscal", o que gera um efeito perverso em termos tributários.
Fiscalidade coloca em risco crescimento económico
VE - A fiscalidade está a estagnar a economia?
AR - Entendo que a fiscalidade está a colocar em risco o crescimento económico e com isso, a estagnação da economia, do emprego, do rendimento das empresas e da sua própria capacidade em gerar receitas fiscais. Se em termos médios o nosso nível de tributação não se afasta muito dos praticados em países mais desenvolvidos, o mesmo não pode ser comparável face à significativa disparidade do valor médio de rendimentos. Tal facto, origina que os agentes económicos deixem de poder usufruir de rendimentos disponíveis que possam ser investidos na economia, o que nos particulares se tem refletido na forte redução no consumo. Assim sendo, sem consumo, não há produção, sem produção não há emprego, sem emprego não há rendimentos, sem rendimentos não há economia, tendo-se iniciado há algum tempo aquilo em nos "palavrões" da gestão se tem denominado por "downsizing", neste caso, da economia.
VE - Até que ponto os ROC podem contribuir para tornar o contexto fiscal menos agressivo?
AR - Os ROC, no exercício das suas funções de interesse público, podem constituir um parceiro privilegiado em múltiplos aspetos. Em primeiro lugar, como agentes de defesa da legalidade, contribuindo para a redução da fraude e evasão fiscais, fator elementar de justiça social por repartir os esforços pelos que têm capacidade tributária; em segundo lugar, pelas suas competências poderão contribuir para melhores práticas empresariais reduzindo os seus riscos, designadamente o risco fiscal, pois todos sabemos quão penalizantes são os incumprimentos fiscais; em terceiro lugar, alargando-se as práticas de auditoria a pequenas entidades contribuindo-se para a redução das operações em "economia paralela" com o consequente alargamento da base tributária, provocando a integração de matérias que de outra forma não geram receita fiscal e perpetuam "isenções ilícitas" aos seus beneficiários; em quarto lugar, os revisores oficiais de contas podem em várias matérias das suas competências serem parceiros na execução de políticas públicas com a consequente redução da despesa pública mantendo, senão mesmo elevando o nível de desempenho na sua concretização. Neste domínio estou convicto de que o modelo de "governance" dos países terá de ser revisto a breve prazo, descentralizando funções a atividades para a sociedade civil em vez da sua excessiva concentração em serviços públicos altamente geradores de despesa. Para isso basta iniciarmos o abandono de uma cultura de desconfiança onde se dá primazia ao controlo, para uma cultura de confiança onde a primazia será a responsabilização.
"O financiamento bancário é cada vez mais uma 'não opção' para as PME"
O escasso financiamento às empresas está a asfixiar a atividade dos ROC. "Como referi, as maioria das nossas empresas estão muito endividadas, o que estrangula o seu crescimento e sustentabilidade. Nesse sentido, sendo a maioria da prestação de serviços dos revisores oficiais de contas exercida em empresas, as suas dificuldades têm repercussão imediata na nossa atividade".
"O financiamento bancário afigura-se cada vez mais como uma 'não opção' para o futuro financiamento das micro, pequenas e médias empresas, devendo estudar-se novas formas para superar este forte constrangimento à sua atividade", acrescenta Azevedo Rodrigues.
Segundo o mesmo responsável, "os revisores podem assumir neste domínio um parceiro relevante pelo conhecimento que têm das empresas, pelas suas recomendações de 'boas práticas tendentes à redução de riscos', constituindo um dos principais pilares, senão mesmo o principal, para a confiança de todos os que vierem a estar envolvidos em novas formas de financiamento e que pretendam reduzir o risco das sua decisões".
ROC é o "garante da confiança dos mercados"
Relativamente à forma como tem evoluído a profissão de ROC, Azevedo Rodrigues esclarece: "Tem vindo progressivamente a afirmar-se como garante da confiança dos mercados e dos múltiplos 'stakeholders' das entidades (públicas e privadas) sujeitas a auditoria e revisão de contas".
"Embora tenha vindo a aumentar o número de entidades e setores onde a ação do revisor é obrigatória, nem sempre esta é muito bem entendida pelos seus próprios órgãos de gestão e também pela sociedade civil. Para isso, temos vindo exigir a todos os revisores elevados padrões de ética, independência e profissionalismo, na sua relação profissional para que os utilizadores dos seus serviços lhe reconheçam a confiança desejada."
"Esperamos também do lado dos utilizadores elevados padrões de exigência em relação ao trabalho do revisor, o que é determinante para a utilidade dos nosso serviços e para a notoriedade da profissão que no presente ano comemora os 40 anos da sua criação", conclui.
Neste capítulo, Azevedo Rodrigues explica-nos a estratégia definida pela OROC: "Manter o nosso rumo orientado para o reconhecimento da Ordem e dos seus profissionais como garante de credibilidade, elemento chave para gerar confiança não apenas nos investidores, como em todos os que se relacionam com a entidade ('stakeholders'). Aos credores, confiança na capacidade de o devedor lhe vir a liquidar as suas dívidas; aos investidores, confiança para avaliarem a segurança e a rendibilidade do seu investimento; ao Estado, confiança na adequada tributação das entidades; aos clientes e fornecedores, confiança em como estão a trabalhar com um parceiro capaz de lhe gerar valor e ter continuidade; aos colaboradores, confiança na estabilidade do seu emprego."
"Do ponto de vista interno, continuaremos a apostar na qualidade, na competência, na ética e integridade de todos os seus membros. Vamos investir na melhoria de comunicação entre os membros e a Ordem, mas também na monitorização das suas práticas profissionais.
Do ponto de vista externo, consolidar a imagem, avançar para novas áreas e formas de intervenção dos ROC, fazendo jus das suas funções de interesse público e aproveitando em benefício do país o seu conhecimento e sentido de responsabilidade."
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Guilherme Osswald-guilherme@vidaeconomica.pt |
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