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05-06-2012

Bancos, consumidores e advogados concordam
Entrega da casa para saldar crédito não é solução

A entrega da casa ao banco para saldar o pagamento da dívida deverá ocorrer apenas numa situação limite. Trata-se de uma solução que é claramente negativa para as duas partes, banca e consumidor. Esta a perspetiva comum a Alexandra Teixeira (advogada associada da José Pedro Aguiar-Branco & Associados), Ana Passos (DECO) e Horácio Robalo (representante do BBVA), no âmbito de uma conferência sobre as dificuldades económicas e financeiras dos portugueses, promovida pela "Vida Económica" e pela JPAB.

O importante é tentar regularizar a dívida do crédito à habitação antes de se chegar ao ponto de incumprimento. É um facto que o número de famílias que não consegue pagar o crédito à habitação tem aumentado de forma preocupante. Basta ter em conta que, em março, o crédito malparado já atingia cerca de 27 800 famílias. E, no primeiro trimestre, diariamente, cem famílias deixaram de pagar o crédito à habitação. "São valores muito preocupantes e que podem resultar numa grave crise social", de acordo com a advogada da JPAB, Alexandra Teixeira. No entanto, há soluções possíveis, sendo que a dação da habitação deverá ter lugar apenas numa situação limite.
"O cliente, antes de entrar em incumprimento, deve procurar renegociar junto da banca as condições de pagamento, por exemplo, uma moratória ou o alargamento do prazo de pagamento. Os bancos estão mais recetivos a este tipo de soluções do que no passado. Uma outra possibilidade será a tentativa de venda do imóvel a terceiros, ainda antes de se entrar em incumprimento. Também há a possibilidade de entregar a casa ao banco, evitando-se assim a execução hipotecária e deixa-se de fazer a prestação ou é reduzida a dívida", aplica a advogada.
Este último caso tem claras desvantagens, já que o devedor fica dependente do banco, deixa de ter casa, há uma desvalorização imobiliária e, na maior parte dos casos, ainda se fica com um dívida parcial. Quanto à execução hipotecária, implica mais custos e a venda é realizada a um valor inferior ao do mercado. Importa notar que não têm aparecido terceiros para adquirirem imóveis, tendo em conta o contexto do mercado imobiliário, e de uma maneira geral fica por saldar uma parte remanescente.
Conclui Alexandra Teixeira que a entrega da casa não é, de forma alguma, a melhor solução: "Deve-se tentar sempre uma renegociação com o banco, previamente. Aliás, a dação da habitação também não é boa para o banco, pois o imobiliário não é o seu negócio. A banca está no mercado para negociar com dinheiro. Por exemplo, em caso de divórcio, há bancos que estão a renegociar os spreads".

DECO recebe cada vez mais pedidos de apoio

Ana Passos, responsável do Gabinete de Apoio ao Consumidor em Situação de Sobreendividamento da DECO, tem uma posição idêntica sobre a matéria. Esta instituição está em condições de renegociar eventuais dívidas com as entidades financeiras, especialmente no que toca ao crédito à habitação. E tem havido um crescendo nos pedidos de apoio. "As famílias têm de reaprender a viverem com menos, independentemente do seu estatuto social. É certo que houve tempos em que o acesso ao crédito foi excessivamente facilitado e mais valia comprar uma habitação do que arrendar". No entanto, também admite que a banca deixou de ter qualquer controlo sobre outros créditos que foram sendo assumidos pelos consumidores. Para além do atual contexto, a mobilidade também passou a ser um fator determinante na decisão de compra de uma casa, o que não sucedia há uns anos atrás.
Para Ana Passos, está-se perante o grave problema dos três dês, desemprego, divórcio e doença. Estas são as principais causas para o incumprimento por parte das famílias. "A renegociação deve ser privilegiada antes de se entrar em incumprimento. Acontece que muita gente não atua, fica inerte e acha que a situação se vai resolver por si só. O que é um erro, a DECO presta todo o apoio necessário. Por sua vez, as pessoas têm de se convencer que a taxa de esforço não pode ultrapassar os 35%. Por sua vez, da parte da banca deverá existir consciência e bom senso para negociar as dívidas de forma equilibrada".

Banca interessada que pessoas mantenham as casas

Também Horácio Robalo, do BBVA, assume que o sobreendividamento das famílias é uma realidade que não pode ser ignorada. Entregar a casa ao banco é para si uma situação limite e que revela constituir uma solução tardia. Admite que a banca está interessada em que as pessoas mantenham as suas casas. "Um contrato de crédito à habitação é, antes de mais, o estabelecimento de uma parceria. O BBVA, por exemplo, tem créditos flexíveis, que permitem uma adequação a situações inesperadas. A dacão do imóvel não é uma solução, já que o cliente fica sem a casa. É fundamental tentar arranjar soluções com os clientes, no atual momento em particular, ajustando os rendimentos do agregado familiar ao crédito".
Mesmo para os bancos encontrar soluções alternativas é comercialmente positivo. De facto, é possível criar fortes laços de fidelização.
Lembra ainda que o banco espanhol tem uma política ortodoxa na forma como são atribuídos os créditos, tendo sempre em conta que o reembolso da dívida está muito dependente da taxa de esforço. "Aliás, considero que a maioria dos bancos sempre teve uma postura ortodoxa, no que respeita à atribuição do crédito. Acontece que muita gente contraiu empréstimos em excesso".
Uma das conclusões que ficaram deste encontro é que ninguém pode ser desresponsabilizado e que a banca está na disposição de tudo fazer para evitar as situações extremas. Por sua vez, o consumidor deverá renegociar a dívida antecipadamente, isto é, antes de entrar em incumprimento. Chegado a este ponto, poderá ser tarde de mais.
Certo é que a DECO, no ano passado, abriu um total de cerca de 4200 processos de famílias sobreendividadas. Só no primeiro trimestre já foram abertos mais de quatro mil processos. Entretanto, todos esperam que, em setembro, seja publicada nova legislação no que toca ao sobreendividamento.
Guilherme Osswald guilherme@vidaeconomica.pt
 
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