15-06-2012 Segundo Encontro Luso-brasileiro Administração Tributária Susana Silva, presidente da Associação dos Profissionais da Inspeção Tributária (APIT), afirma Inspetores tributários portugueses com condições de trabalho aquém dos brasileiros
Tanto Portugal como o Brasil vivem momentos de definição em relação à Administração Tributária e, por conseguinte, à Inspeção Tributária. Susana Silva, presidente da APIT - Associação dos Profissionais da Inspeção Tributária, aponta, em entrevista à "Vida Económica, realizada durante o Segundo Encontro Luso-Brasileiro da Administração Tributária, as condições de trabalho como o "calcanhar de Aquiles" dos inspetores portugueses por comparação aos brasileiros, que veem a sua carreira dignificada. Já no que concerne aos limites da quebra do sigilo bancário, Portugal estará mais bem preparado do que o Brasil.
Vida Económica - De que forma podem ser úteis as experiências de profissionais da inspeção tributária [brasileira] aos profissionais portugueses?
Susana Silva - As vantagens de um diálogo franco, de um debate de ideias aberto e construtivo, entre profissionais do mesmo ofício, mas também entre estes e os administradores tributários, são inegáveis. Dirigentes e funcionários não podem estar de costas voltadas, mesmo quando não é possível obter consensos. É fundamental envolver os funcionários na discussão de matérias fiscais, mas também nas discussões que visem alterações de índole socioprofissional (algo que a APIT tem procurado implementar em todas as discussões).
VE - Essa mobilização será a melhor forma de vencer os desafios?
SS - Os desafios que hoje se colocam, em Portugal e no Brasil, só podem ser vencidos com a mobilização e coesão de todos os profissionais, com a partilha do seu conhecimento e do seu saber prático e pela angariação de mais e melhores contributos para um todo comum.
A troca de experiências e a convivência entre os profissionais constituem-se em oportunidades de crescimento e desenvolvimento.
VE - O facto de Brasil e Portugal viverem realidades económicas diferentes influencia?
SS - Portugal vive um momento de definição política no que se refere à Administração Tributária (AT) e consequentemente à Inspeção Tributária, fruto do processo de revisão de carreiras, da reformulação do sistema de avaliação (SIADAP), da aplicação do PREMAC, etc.. O Brasil vive um momento de discussão da revisão/aplicação de um código tributário nacional, e permanece ainda a dúvida sobre a forma de enquadramento político da profissão de Auditor/Inspetor Fiscal enquanto Carreira de Estado. As realidades económicas são diferentes, mas as questões que preocupam estes profissionais, em ambos os lados do Atlântico, assemelham-se, tendo sido possível discutir estratégias de posicionamento associativo e sindical perante as alterações que se propõem.
VE - O sigilo bancário existe em Portugal? Quais as suas fragilidades e pontos fortes no que concerne à atuação dos inspetores portugueses?
SS - Mesmo quando tantos comentadores declaram a "morte" do sigilo bancário, a verdade é que ele existe no âmbito da relação cliente/banco. É preciso ter sempre em linha de conta que a administração fiscal portuguesa, e os profissionais da AT, estão sempre vinculados à aplicação da legislação em vigor (ao respeito pelos mecanismos de 'quebra' estabelecidos na Lei Geral Tributária), e em especial ao Sigilo Profissional Fiscal, sendo que todos os atos tendentes à obtenção de dados protegidos pelo sigilo bancário são suscetíveis de recurso judicial.
Relativamente às empresas e às pessoas coletivas em geral, considerando a obrigatoriedade legal de existirem contas bancárias utilizadas exclusivamente para o exercício da atividade empresarial, é questionável a necessidade de sigilo bancário a que também se encontram sujeitos tais movimentos. De qualquer forma, mesmo nos casos em que existe quebra do sigilo bancário pela Inspeção Tributária, subsiste o sigilo fiscal, não podendo naturalmente os dados a que se obteve acesso serem divulgados/utilizados para outros fins que não sejam os da atuação da Inspeção Tributária.
VE - Portugal está, a este nível, melhor preparado do que o Brasil?
SS - Este é um dos poucos aspetos em que Portugal se encontra mais bem preparado do que o Brasil. Os limites à quebra do sigilo bancário no Brasil são extremamente restritivos da utilização deste mecanismo.
Contudo, e da discussão gerada em volta deste tema, ficou também claro que é necessário reequacionar a manutenção ou não do sigilo bancário no que diz respeito às entidades empresariais, às pessoas coletivas (pessoas jurídicas no Brasil), tendo em conta os eventuais efeitos na atuação da AT e dos seus profissionais, e no seu contributo para a economia e para a concorrência em Portugal.
VE - Os inspetores têm as melhores condições para atuar?
SS - Claramente, não temos as melhores condições para atuar. Contudo, o brio profissional, o orgulho e o esforço destes profissionais têm feito com que constantemente consigam elevar o nível de excelência na sua atuação. O reconhecimento político pela qualidade do serviço público que prestamos é recorrente, mas não tem tido reflexos práticos na dotação das mais corretas condições para o exercício das suas funções.
Em comparação com o modelo brasileiro, ficamos claramente aquém do que se passa do outro lado do Atlântico. Aí observamos um efetivo reconhecimento da carreira, um vencimento condigno com as funções exercidas e com o risco inerente às mesmas, e a existência de meios físicos e humanos para um correto desempenho de funções. Nada disto encontramos em Portugal.
Ninguém compreende que não se tenha ainda reconhecido definitivamente a AT e os seus funcionários como Órgão de Polícia Criminal (OPC), e consequentemente, que ainda não lhes tenha sido atribuído/mantido o vínculo de nomeação definitiva.
"É fundamental a efetiva dignificação da carreira"
Desafiada a fazer um balanço da atuação do atual Governo em relação aos inspetores tributários, Susana Silva considera que, "infelizmente, tem-se mostrado semelhante à dos anteriores governos".
"Tem existido abertura ao diálogo, mas temo-nos mantido no plano das intenções."
"É fundamental a efetiva dignificação da carreira, dando formação permanente aos seus funcionários, fornecendo condições de trabalho dignas e, obviamente, embora reconhecendo as dificuldades do país, atribuindo uma remuneração de acordo com a qualificação, responsabilidade e risco destes profissionais, que têm sempre superado as exigentes metas que anualmente lhes têm sido colocadas", conclui.
O facto de, a muito breve prazo, se iniciarem as negociações para revisão do regime de carreiras da AT, do sistema de avaliação (SIADAP) e de aplicação do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado (PREMAC) constitui um momento que não pode ser desaproveitado.
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Crise provoca levantamento indiscriminado de sigilo bancário
Dever de pagar impostos não justifica acesso irrestrito aos movimentos bancários
Em termos de levantamento do sigilo fiscal em Portugal, "a transparência é um valor a defender, mas importa acautelar os diversos interesses em causa, atendendo, essencialmente, ao princípio da proporcionalidade", defendeu Clotilde Palma durante o Segundo Encontro Luso-brasileiro sobre Administração Tributária.
A professora do Instituto Superior Contabilidade e Administração (ISCAL), especialista em Direito Fiscal, entende que "não se deve devassar a privacidade dos contribuintes, mas a transparência no tocante às quantias transacionadas não se encontra abrangida por essas exigências de privacidade".
Em relação às limitações e cuidados para com a divulgação e acesso a informações de pessoas singulares, "a AT não necessita de conhecer, em detalhe, os movimentos efetuados".
As recomendações de Clotilde Palma foram no sentido de "um tratamento fiscal adequado, importando verificar a quem fica acessível a informação e quais as informações realmente necessárias".
"O dever fundamental de pagar impostos não pode, nomeadamente, justificar o acesso irrestrito aos movimentos a débito. Este acesso irrestrito seria ferido de inconstitucionalidade."
Em conclusão, Clotilde Palma revelou ainda que, "sobretudo ultimamente, com a crise económica, assistimos a situações em que a AT não atende satisfatoriamente aos princípios da igualdade e da proporcionalidade no que toca à recolha e publicitação de dados com relevância tributária."
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Dora Troncao agenda@vidaeconomica.pt |
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