15-06-2012 Europa diz que em Portugal a taxa de conclusão do ensino superior entre os 30-34 anos é de apenas 26,1% Abandono do ensino superior em Portugal vai agravar-se com a crise
Ninguém quer comprometer-se com números. A Secretaria de Estado do Ensino Superior disse à "Vida Económica" que, até ao momento, "não há informações precisas sobre abandono do ensino superior nem sobre as suas causas" e que "as instituições não reportam aumento das anulações de matrículas relativamente ao ano anterior".
Mais realista, o Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, reconheceu, já em finais de abril, num debate na Assembleia da República, que "há estudantes que, por dificuldades económicas, não têm conseguido manter as suas aprendizagens por estarem deslocados das suas habitações de origem".
Num tom mais grave, o padre Nuno Santos, diretor do Instituto Universitário Justiça e Paz e assistente do Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior da Igreja Católica, revelou à "Vida Económica" que, "só até maio, já apoiámos quase tantos alunos como no ano anterior". E diz ter uma certeza: "o fenómeno do abandono vai agravar-se".
Em 2009, os ministros da Educação da União Europeia (UE) acordaram cinco valores de referência no domínio da educação e da formação para atingir até 2020. Entre eles, o de recuperar o objetivo de reduzir a taxa de abandono escolar para menos de 10% e o de aumentar a percentagem de diplomados para, pelo menos, 40%.
Portugal está, porém, longe de atingir tais objetivos. Dados divulgados a semana passada pela Comissão Europeia mostram que, apesar de alguns progressos registados de 2000 até agora, a taxa de abandono escolar precoce dos jovens entre os 18 e os 24 anos com habilitações secundárias é, segundo dados de 2011, de 23,2%. Portugal é, aliás, o terceiro Estado-membro com o pior indicador a este nível, depois de Malta (33,5%) e de Espanha (26,5%), quando a média europeia está nos 13,5%.
Por outro lado, Portugal está também longe de cumprir o objetivo de atingir mais de 40% de licenciados entre os 30 e os 34 anos até 2020. Segundo os dados da Comissão Europeia agora divulgados, em 2011, a taxa de conclusão do ensino superior entre os 30-34 anos era, no nosso país, de 26,1%, quando a média da União Europeia está nos 34,6%.
Num comentário à divulgação dos números, a comissária europeia para a Educação, Androulla Vassiliou, avisou, em Bruxelas, que "os Estados-membros devem concentrar-se nas reformas e intensificar os seus esforços para executar as estratégias globais de luta contra o abandono escolar precoce". E que devem trabalhar para "fomentar o acesso ao ensino superior e aumentar a sua qualidade".
Mesmo sem saber das estatísticas, mas alinhada com estas preocupações, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) apresentou, a 23 de maio último, ao Ministério da Educação e Ciência (MEC), um documento onde identifica "três problemas fundamentais" que estão a "degradar os sistemas de ensino superior e ciência em Portugal".
A par do "regime de financiamento", do "desrespeito pelas carreiras" e da "degradação das condições de trabalho de docentes e investigadores", o abandono escolar é igualmente identificado como grave. A Fenprof remete para o relatório "Education at Glance 2010", da OCDE, que relata que o gasto em dólares por estudante do ensino superior (ano de 2007), incluindo investigação, tendo em conta a relação do poder de compra com o PIB, mostra que "Portugal é dos países com um valor mais baixo (10.398 dólares), sendo o valor médio nos países na OCDE e da Europa a 19 de 12.907 e 12.084 dólares, respetivamente".
Filhos impedidos de aceder às bolsas por dívidas fiscais dos pais
Por outro lado, diz aquela estrutura sindical que, no conjunto de países europeus UE21, só em quatro deles as instituições públicas cobram propinas acima dos 1200 dólares - Itália, Holanda, Reino Unido e Portugal. Ou seja, "Portugal, além de ser o país com um dos mais baixos rendimentos 'per capita' e uma das economias mais frágeis, é dos países em que as propinas são mais elevadas", diz a Fenprof.
Dados revelados publicamente pela Direcção-Geral do Ensino Superior em Abril último davam conta da atribuição de 51.626 bolsas de estudo até àquela data - cerca de 5000 a menos face ao mesmo período do ano anterior -, sendo o valor da bolsa média anual de 1827,53 euros.
Valores que por serem considerados baixos, levaram o Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior da Igrega Católica a enviar, em abril último, uma carta ao secretário de Estado do Ensino Superior, João Queiró, na qual apela a "critérios de atribuição de bolsas mais justos", por temer que o ensino superior fique "restrito às elites económicas". A Igreja Católica pediu, aliás, ao Governo que não permita o abandono do ensino superior exclusivamente por razões económicas, defendendo ser necessário "não aumentar o valor das propinas, reforçar o montante do Estado para a ação social e tornar mais justos os critérios de atribuição de bolsas".
Questionado pela "Vida Económica" sobre o fenómeno de abandono do ensino superior por parte dos alunos, Nuno Santos, diretor do Instituto Universitário Justiça e Paz e assistente do Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior da Igreja Católica, explica que têm "acompanhado a situação concreta de muitos estudantes em Portugal", mas que não dispõem de números concretos. Até para "não forçar a estatística para um dos lados e para não ter de denunciar a ação governativa".
"A desistência dos estudos por motivos financeiros só nos pode preocupar"
Garante, contudo, que, só até maio deste ano, já apoiaram "quase tantos alunos como no ano anterior", explicando que "se não ajudássemos estes estudantes, quase todos eles - praticamente metade portugueses e os restantes de outras nacionalidades, especialmente dos PALOP - teriam abandonado o ensino".
Instado a comentar a afirmação já proferida por vários responsáveis de que nenhum estudante deve deixar de estudar por falta de recursos económicos, o padre Nuno Santos adverte que "a frase corre o risco de ser demagógica". Diz, ainda assim, que "devemos apostar nos bons alunos, independentemente dos seus recursos económicos".
Deveríamos, diz o responsável da Igreja Católica, "ter como referência o mérito académico", ainda que "sem deixar de ter em conta casos concretos", apontando que "a referência mais gritante tem a ver com os filhos que continuam a estar impedidos de aceder à bolsa por dívidas fiscais ou outras de algum elemento do agregado familiar".
Já sobre se o fenómeno do abandono do ensino superior poderá agravar-se ainda mais, Nuno Santos não hesita: "eu não penso; eu tenho a certeza". Esses alunos "deixarão de se inscrever no ensino superior desde logo", pois "os agregados familiares viram os seus recursos serem bastante atingidos, outros viram os seus familiares a perder empregos e, por isso, a terem menos dinheiro e os custos de vida aumentaram em todas as direcções". E não há, diz este padre, "uma única ideia de mudança real da situação".
Igualmente questionada pela "Vida Económica", a vice-reitora da Universidade de Coimbra para as áreas de pedagogia, 1º e 2º ciclos, Madalena Alarcão, não tem dúvidas em afirmar que "a desistência ou suspensão temporária de estudos por motivos de ordem financeira só nos pode preocupar", uma vez que "a formação superior é importante para o desenvolvimento pessoal de cada um e para o desenvolvimento da própria sociedade".
A frequência do ensino superior, refere ainda Madalena Alarcão, "confere não só um conjunto de competências técnicas específicas, necessárias a um adequado exercício profissional, como um conjunto conhecimentos e competências transversais, que permitem uma melhor adaptação num mundo que está em constante mudança e evolução". É, aliás, exatamente por terem essa percepção que "os estudantes e respetivas famílias fazem, muitas vezes, um esforço importante para assegurar que esta formação superior não fique comprometida, especialmente num período de crise em que a competência e a qualidade podem ser elementos diferenciadores cruciais".
E que efeitos pode ter no desenvolvimento das instituições que representam o agravar do fenómeno do abandono?, perguntamos ainda à vice-reitora da Universidade de Coimbra.
Em resposta à "Vida Económica", Madalena Alarcão deixa a certeza: "a Universidade de Coimbra continua a apostar na qualidade da sua formação, para que, mesmo em tempo de dificuldade, ou até por causa dela, a formação que ministra possa ser desejada por um cada vez maior número de estudantes nacionais e internacionais".
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TERESA SILVEIRA - teresasilveira@vidaeconomica.pt / SANDRA RIBEIRO - sandraribeiro@vidaeconomica.pt |
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