20-07-2012 Arlindo Cunha, presidente da CVR Dão, afirma "É preciso um Simplex para a agricultura"
Tratamos por igual, em termos de exigências fiscais, um agricultor que tem cinco hectares e um que tem 1500. Tal como a Comissão Europeia propõe, é preciso criar um regime simplificado para os pequenos agricultores que não os penalize e permita que sejam mais competitivos - esta é a opinião de Arlindo Cunha, ex-ministro da Agricultura e presidente da Comissão Vitivinícola da Região do Dão (CRV Dão).
"Um regime simplificado para a pequena agricultura" seria parte da solução, na perspetiva de Arlindo Cunha, do problema da falta de competitividade do pequenos agricultores.
Vida Económica - Uma das características do programa que apoia o investimento nas vinhas, o Vitis, é a sua simplicidade. Qual é a apreciação que faz do programa e da sua adequação à Região do Dão?
Arlindo Cunha - Acho que devia servir de modelo para os outros programas de investimento.
O Proder, que está agora na fase final de execução, foi um "monumento" em racionalidade. Foi mal concebido, de uma forma desfasada da realidade, a sua organização, o processo de aprovação e a análise de projetos foram tão complicados que, passados três anos, ainda não estava a ser aplicado.
A primeira coisa importante no Programa de Desenvolvimento Rural é não se chamar Proder.
Ao Vitis pode apresentar-se um projeto, dar provas da legalidade e, a partir daí, dizer o que pretende fazer. O Vitis tem tabelas de taxas de apoio para cada aprovação. O Vitis é um programa bem conseguido, simples e que funciona magnificamente. Penso que poderia servir de modelo para os restantes programas que vão operar.
VE - A aplicação do Vitis é portuguesa ou é comunitária?
AC - O Vitis é financiado por uma linha financeira comunitária do setor. Cada país tem um bloco financeiro em que uma parte é para a reestruturação das vinhas. Para a entidade pagadora, o que interessa é ir lá a inspeção. Todas as vinhas são inspecionadas.
Se no local estiver o que foi aprovado no papel, não é preciso mais nada.
VE - Nos programas de apoio ao investimento na agricultura, muitas vezes, nas transições dos quadros, há uns períodos de vazio. Isso tem sido prejudicial ao investimento, em particular, ao setor da vinha?
AC - Isso pode-se superar de uma forma bastante simples: o Governo e a Administração trabalharem com antecedência, ou seja, nesta altura já sabemos que a partir de 2014 haverá um novo "pacote" financeiro para a PAC.
Uma das vertentes da PAC é o desenvolvimento rural. Já sabemos quais os montantes de que vamos dispor para o desenvolvimento rural. Nesta altura, já devíamos estar a trabalhar na formatação dos programas de comunicação, por forma a que, logo que comece a aplicação do calendário, que é 1 de janeiro de 2014, enviamos logo a seguir para a Comissão Europeia os programas. Dessa forma conseguimos minimizar os erros.
Taxas de apoio acima de 70%
VE - No Vitis, o valor corresponde a 70% do valor de investimento?
AC - Em geral ,sim, mas depende. Hoje há casos excecionais de propostas agrupadas em que aumentam ou majorações.
VE - A partir de 2014 a intensidade vai manter-se?
AC - Penso que em geral poderá manter-se. Ao contrário do Proder, que tinha taxas de apoio muito baixas na ordem de 40% e inicialmente nenhum interesse dos agricultores. No caso do Vitis, acho que é uma taxa boa.
Na agricultura, hoje em dia, a rentabilidade do investimento é muito baixa. É muito complicado as pessoas terem motivação para investir. A única forma de suscitar essa motivação é de facto, dar uma boa taxa de apoio. Cabe a nós aproveitar devidamente esses recursos da União Europeia.
VE - O que afeta o setor do vinho e da agricultura também não é o regime fiscal?
AC - Há um problema fiscal. Eu tenho defendido que era preciso um Simplex para a agricultura. Tratamos por igual em termos de exigências um agricultor que tem cinco hectares e um que tem 1500.
Agora a Comissão Europeia propõe um regime simplificado para a pequena agricultura. A nossa realidade maioritária é de facto a agricultura de pequena dimensão. Um pequeno agricultor pode ser competitivo, depende daquilo que faça. Tem de haver um regime simplificado para os pequenos agricultores que não os penalize.
Regresso à agricultura
VE - Agora fala-se novamente num regresso à agricultura. Mas surgem críticas a dizer que até aqui andámos a abandonar. Acha que essa crítica tem fundamento?
AC - Não, porque abandonamos o que não tinha viabilidade. O nosso setor agrícola tem de ser reduzido em dimensão. Em 1986, tinhamos 17% da população ativa na agricultura. Mas era uma agricultura miserável, de subsistência, não era competitiva.
Passámos esse "cabo das tormentas", de uma agricultura de subsistência para uma agricultura de qualidade e competitiva em qualquer parte do mundo. Nós, nos principais setores mais sustentáveis, somos exportadores e competitivos. É o caso do vinho, dos hortícolas ou do tomate concentrado.
Somos competitivos porque temos uma ótima relação preço/qualidade e vendemos em qualquer parte do mundo.
VE - Para uma plantação ter rentabilidade, a área mínima são cinco hectares?
AC - Depende muito desde logo do segmento de qualidade em que se posiciona. Se eu tiver cinco hectares de champanhe, sou rico. Porque no champanhe o hectare pode produzir 20 mil litros de vinho e depois pode vender cada litro de champanhe a 40 ou 50 euros.
Na região do Dão, onde as áreas são pequenas, apesar de que os novos produtos praticamente nenhum deles tem cinco hectares, é gente que tem entre cinco e 50 hectares de um modo geral. Mais pequenos, normalmente, estão integrados nas cooperativas. Se se posicionar num segmento alto e se ganhar notoriedade, diria que com cinco hectares pode sobreviver.
VE - O peso da agricultura no PIB é inferior em Portugal, comparado com outros países desenvolvidos, como Espanha, França ou Alemanha?
AC - É, porque na Espanha e na França o setor agricola é excedentário, ou seja, eles produzem mais do que o que necessitam e nós não. Temos manobrado dois setores fundamentais do agroalimentar: o setor dos cereais e das oleaginosas. Não temos grandes condições naturais para produzir cereais, não temos muitas terras e são zonas que não estão preparadas. No caso das oleoginosas só produzimos girassol. O setor do vinho é seguramente um setor onde temos condições fabulosas para sermos um país altamente exportador.
Dão é o "Macintosh" dos vinhos
Em 2004, o Governo alterou a legislação de gestão comissões vinícolas regionais, que são os órgãos certificadores, que deixaram de ser tuteladas pelo Estado e passaram a associações interprofissionais de direito privado.
Arlindo Cunha é o primeiro presidente que não é nomeado pelo Estado, mas eleito pelos produtores e pelas empresas.
"Unir e mobilizar os produtores, fazê-los acreditar que têm um produto com ótimos argumentos para triunfar pela relação preço/qualidade" é um dos principais desafio. O outro é "passar essa ideia para a opinião pública".
"O terceiro grande desafio foi simplificar os procedimentos internos da Comissão Vinícola."
Nesta altura, "não há propriamente uma corrida ao investimento no setor", mas as características que a região do Dão reúne permite-lhe, ao nível vitivinícola, ser "diferente com qualidade. Por isso é que digo que o Dão é o 'Macintosh' dos vinhos", conclui Arlindo Cunha.
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João Luís de Sousa agenda@vidaeconomica.pt |
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