18-09-2012 Domingues de Azevedo, bastonário da OTOC, afirma "A fiscalidade impossibilita a sobrevivência das empresas"
"Foi um erro terrível terem aumentado os impostos, por exemplo, na restauração", afirma à "Vida Económica" Domingues de Azevedo. "Neste momento, na restauração há muitas pessoas que já assumem que incumprem, que não passam fatura, não têm condições de cumprir com as imposições que lhes fizeram no âmbito fiscal. Isto é o mais grave que pode acontecer numa sociedade organizada", acrescenta o bastonário da OTOC - Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.
Vida Económica - De que forma se pode materializar a nova atitude dos TOC que o tema central do congresso da OTOC defende?
Domingues de Azevedo - Estamos confrontados com uma nova realidade financeira e económica. Existem por isso novos desafios que se colocam aos profissionais. Precisamos de adotar uma nova atitude. Que passa por sermos mais rigorosos, mais empenhados na aprofundar o conhecimento. Tem de existir um entrosamento efetivo entre o TOC, o empresário e a Contabilidade. Como membros de uma profissão de interesse público, temos de saber encontrar caminhos que deem maior sustentabilidade às empresas".
Vida Económica - Como vê o recente aumento dos impostos, nomeadamente do IVA?
Domingues de Azevedo - Foi um erro terrível terem aumentado os impostos, por exemplo, na restauração. Se era um setor já com algumas dificuldades de sobrevivência, em muitos casos devido à proliferação sem controlo dos estabelecimentos de restauração, então essas dificuldades agora sentem-se muito mais agravadas. Para além de as pessoas não terem dinheiro para pagar os hábitos que tinham até agora, mais dificilmente têm dinheiro para pagar esses hábitos agravados em mais de 10%. O Estado deveria ter dado um estímulo não mexendo nesta taxa, e procurado encontrar a sensibilização para que as pessoas cumprissem com os seus deveres, garantindo uma rentabilidade maior.
Dá-me a sensação que alguns factos e algumas ações que me têm chegado aos ouvidos podem revelar uma situação muito complicada no setor da restauração e o grande problema é se este estado de espírito se alarga a outros setores. Neste momento, na restauração há muitas pessoas que já assumem que incumprem, que não passam fatura, não têm condições de cumprir com as imposições que lhes fizeram no âmbito fiscal e isto é o mais grave que pode acontecer numa sociedade organizada.
VE - Podem essas dificuldades legitimar o incumprimento?
DA - Claro que essas coisas também não são feitas tão à descarada. A pior coisa que pode acontecer a qualquer país é quando as pessoas interiorizaram que estão a ser injustamente tratadas. É o que está acontecer na restauração. As pessoas interiorizaram que se lhes está a exigir para além das suas possibilidades e que estão a ser tratadas injustamente. Isto é importante dizer, porque legitima para que elas incumpram com os seus deveres. E ou temos meios suficientes para combater isso ou as coisas são muito complicadas.
VE - Mas o TOC tem logo que participar o não cumprimento?
DA - Os técnicos oficiais de contas são aqueles que no seu trabalho prático do dia a dia ainda conseguem convencer os empresários a terem alguma harmonia no cumprimento das obrigações. O TOC, sendo aqui um garante da regularidade, tem de continuar a defender junto dos sujeitos passivos o cumprimento da legalidade. Mas claro que o TOC não é o próprio sujeito passivo.
Quem legisla tem também de ter o cuidado que as leis que faz são leis cumpríveis e são leis que permitem a sobrevivência das pessoas como unidades económicas. Ao que assistimos nestes últimos tempos é que a fiscalidade está literalmente a impossibilitar a sobrevivência de algumas empresas. Não é pelos impostos diretos que ela paga, é porque as pessoas deixam de comprar e sentem-se injustamente tratadas.
VE - Até que pontos este processo é negativo para o Estado?
DA - Primeiro, é preciso que o Estado entenda que, quando as situações são excessivas, a primeira vitima disto é o próprio Estado. Porque, por vezes, em termos de receita fiscal, estas situações geram menor receita do que com o aumento das taxas. É o que estamos a verificar.
Segundo, porque ele, em termos terminais, é o último reduto que os cidadãos têm para garantir o mínimo de vida com dignidade, ou seja, as empresas despedindo, é o Estado que vai ter de pagar-lhes o fundo de desemprego. Penso que já é altamente deficitário este processo para o Estado.
VE - A culpa é da "troika"?
DA - As circunstâncias em que foi negociado este apoio financeiro da "troika" foi em circunstâncias muito específicas e aos cidadãos portugueses ninguém pediu contas disso. Mas era bom que se pensasse que, caso tivéssemos avançado com as soluções dos PEC, estaríamos ou não nesta situação.
Este apoio do FMI entrou à pancada em Portugal. Quem discutiu as consequências deste acordo do FMI? Vejo uma insensibilidade política para os problemas que estamos a gerir e uma certa prisão por parte de alguns governantes.
Os bancos não cuidaram suficientemente dos empréstimos que faziam, não cuidaram da contingência dos empréstimos porque as pessoas hoje trabalham mas amanhã podem estar desempregadas. Penso que ninguém contesta a necessidade de fazer um reajustamento à nossa economia.
VE - Em termos da fiscalidade exagerada, este Governo está na linha dos governos anteriores?
DA - Este Governo disse que vamos reduzir na mesma dimensão, vamos aumentar os impostos, mas vamos também reduzir a nossa despesa. Embora tenha consciência que receita pública em muitos casos é receita privada. Onde é que se reduziu a despesa?
Em França, quando alguém, vai aplicar dinheiro numa instituição qualquer, o rendimento desse dinheiro, se o tiver imobilizado menos de quatro anos, paga 35%, se o tiver imobilizado de quatro a oito anos, paga 25%, se o tiver imobilizado mais de oito anos, paga 15%. Em Portugal, pagamos 26,5%. Porque consolida a permanência dos capitais e é essa permanência que faz desenvolver a economia.
Empresas estão no limite da tributação
VE - Era conveniente reduzir a tributação das empresas?
DA - É complexo porque há custos que são imputados às empresas e que não têm a ver com o processo contínuo. O PEC vinha resolver um bocado essa questão. A tributação autónoma resolveu de uma forma atabalhoada. As nossas empresas continuam a ser vistas sobre duas óticas: pagamento de impostos e rentabilidade económica e ninguém tem a capacidade de introduzir nas nossas empresas uma outra dimensão fundamental, que é o seu papel social.
As empresas estão no limite da tributação, mas se formos a comparar com outros países vemos também que as empresas pagam taxas de 35% de IRC. Acho que foi um erro terrível ter acabado com a taxa de 12,5% particularmente para as pequenas empresas, porque permitia nessas empresas uma maior transparência e uma maior tributação.
Haveria necessidade de um enquadramento de melhor repartição dentro das próprias empresas quanto aos seus resultados e atribuir-lhe esse papel social. Ter preocupações de continuidade económica das empresas e portanto ter reservas que permitam às empresas ter almofadas quando há estes problemas. As nossas empresas estão todas descapitalizadas. Mas não é de hoje. Porque o empresário português também pensa muitas vezes que há de enriquecer do dia para a noite.
VE - Acha que a administração fiscal podia ter uma atitude mais construtiva e cuidada no relacionamento com as empresas e com os TOC?
DA - Neste momento também a própria administração fiscal não evoluiu. Para a administração fiscal, cada sujeito passivo é um ladrão. E temos uns processos de reclamação complicados. Estes processos de reclamação deveriam ser feitos por comissões autónomas, poderiam funcionar junto da administração fiscal, mas deviam ser constituídos por entidades autónomas que não tivessem nada a ver com a administração pública. Para mim, a atual administração tributária continua a ser um dos serviços da administração pública que melhor funciona.
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joão luís de sousa jlsousa@vidaeconomica.pt |
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