21-09-2012 Aumentos salariais para compensar mexidas na TSU dependem do comportamento do consumo
Há empresas dispostas a compensar excecionalmente os seus colaboradores pela redução salarial que resultar da subida da Taxa Social Única (TSU) de 11% para 18%, no caso de esta vir a ser implementada. A "Vida Económica" ouviu vários empresários de diferentes setores de atividade e deixa aqui para os leitores o exemplo dos que assumem, desde já, esse compromisso público. Um dado é, porém, certo: cada decisão deverá caber, apenas e só, a cada organização, e terá de ser tomada em função das circunstâncias internas e externas, do modelo de negócio e dos impactos que o comportamento do consumo tiver nas respetivas vendas.
A redução da TSU a cargo das entidades patronais de 23,75% para 18% traz folga financeira para as empresas. A poupança está quantificada em 2300 milhões/ano, embora também esteja calculado que serão cerca de 1153 grandes empresas a arrecadar a maior fatia da receita - cerca de 807 milhões de euros - e que as PME, que asseguram 78% do emprego em Portugal, apenas tirarão benefício do restante.
À hora a que o leitor se confrontar com a leitura desta reportagem, já os parceiros sociais reuniram com o Governo e o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, estará prestes a informar o Presidente da República e os conselheiros de Estado de uma nova solução para a Taxa Social Única (TSU).
Ouvidos pela "Vida Económica", vários empresários assumem publicamente os números da poupança. E admitem que, usando parte dela, podem vir a compensar os seus colaboradores atingidos pela quebra de salários com a subida da TSU.
José António de Sousa, presidente da Liberty Seguros, foi de todos o primeiro a responder. Disse à "Vida Económica" que emprega em Portugal 470 colaboradores e que "uma operação simples e sumária" lhe permite afiançar que esse número anda "muito próximo dos 800 mil euros". Compromete-se, por isso, a "propor ao acionista que a poupança que daí possa advir seja utilizada na íntegra, via bónus especial a pagar no início de 2014, aos colaboradores, para assim mitigar um pouco o castigo brutal e insensato a que uma vez mais é submetido o orçamento das famílias portuguesas".
Na mesma linha, Jorge Faria, administrador da Aquitex, empresa de acabamentos químicos têxteis instalada na Maia que exporta 25% para a América Central e Sul, diz que "não é por ter esta redução que vamos ficar mais competitivos". Explica que "o custo do trabalho representa cerca de 30% dos custos totais" e que a diminuição de 5,75% na TSU "só reflete uma possível redução de 1,9% do custo total", tendo já realizado "uma reunião com os trabalhadores a comunicar a decisão de lhes atribuir 5% de aumento, no caso de esta medida ser aplicada".
Nestlé Portugal "muito preocupada com as quebras no consumo"
O diretor-geral da Nestlé Portugal, filial da multinacional suíça do setor alimentar que detém quatro fábricas no país e opera, entre outros, nos subsetores dos cereais de pequeno-almoço, águas e cafés torrados, explicou à "Vida Económica" que emprega cerca de 1850 colaboradores e que a redução da TSU, a ir por diante, representará "uma economia de 1,5 milhões de euros".
António Reffóios diz-se, porém, "muito preocupado com as quebras no consumo" e com a incógnita 'como crescer?', uma vez que "as medidas anunciadas têm impacto no rendimento disponível das famílias" e, necessariamente, no volume de negócios. A Nestlé Portugal registou vendas de 624,1 milhões de euros em 2011, mas "imaginando uma diminuição nas vendas entre 5% e 7% [decorrente dos impactos da crise], isso representará entre 30 a 40 milhões de euros a menos, o que é muito", ali também ficando "diluídos" os ganhos obtidos em sede de TSU. Daí que a opção seja, para já, "esperar, ponderar todos os fatores, inclusive esperar pela estimativa de custos para o próximo ano e, depois, avaliar e decidir".
Não ignorando o "muito descontentamento e frustração" que os seus trabalhadores já manifestaram quanto ao aumento da TSU, Fortunato Frederico, CEO da empresa de calçado dona da marca Fly London, a Kyaia, assumiu, em declarações à "Vida Económica", que, "se a empresa tiver resultados, teremos de reforçar o apoio que sempre demos e damos ao nosso pessoal". Salientou, aliás, que já paga anualmente "um 15º mês de salário" aos colaboradores, embora a nova conjuntura obrigue agora a uma "nova análise". "Não sei como, mas faremos todos os possíveis para os compensar", concluiu o empresário.
Menos otimista, Paulo Gonçalves, porta-voz da APICCAPS (Associação dos Industriais de Calçado), "considera prematuro efetuar uma avaliação rigorosa às alterações à TSU, na medida em que estão por apurar muitos aspetos essenciais", pelo que "só depois da apresentação do Orçamento de Estado será possível uma analise rigorosa e sustentada".
O Maló Group, por sua vez, emprega atualmente cerca de 1100 colaboradores, dos quais 850 em Portugal e 250 dispersos pelo mundo, explicou o médico dentista Paulo Maló à "Vida Económica". Dos 850 que aqui emprega, "aproximadamente 500 são trabalhadores dependentes", refere, pelo que uma descida na TSU para as empresas em 5,75% (de 23,75% para 18%) representará, no seu grupo, "uma poupança anual que ronda os 450 mil euros".
"Insensibilidade ou desconhecimento do tecido empresarial", diz a ANEFA
Questionado pela "Vida Económica" sobre se pondera compensar financeiramente os trabalhadores da perda salarial decorrente da subida da TSU de 11% para 18% a que ficarão sujeitos, Paulo Maló justifica a sua opção. Diz que "como forma de ajudar os seus colaboradores a suportar os efeitos da crise, a Maló Clinic implementou no início de setembro um programa de apoio aos colaboradores".
Dele fazem parte "descontos especiais em tratamentos médicos, bem como em serviços prestados por diversos parceiros de negócio, bem como serviço de cabeleireiro gratuito e livre acesso ao ginásio". Isto, além de "um menu económico, bem como um espaço dedicado às refeições confecionadas em casa", pelo que, embora admita "vir a reforçar" os apoios, "não vai ser dada uma compensação financeira direta" adicional decorrente das mexidas na TSU.
Noutro setor, a ANEFA - Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente também está inquieta com as alterações à TSU, dizendo que "associar a descida da TSU à subida do valor da prestação dos trabalhadores à Segurança Social revela ou insensibilidade ou desconhecimento do tecido empresarial nacional".
"O tecido empresarial português, constituído na sua maioria por pequenas e microempresas, irá enfrentar, sem ter contribuído para isso, um dos maiores problemas dos últimos anos", que "terá certamente reflexos na produtividade das empresas", dado o "confronto entre entidade patronal e colaboradores". Aliás, a ANEFA teme que os trabalhadores, especialmente nas pequenas e microempresas, e uma vez que se "preocupam essencialmente com o valor líquido que irão receber no final do mês, chegada a altura, ao receber menos, vão exigir à entidade patronal a reposição desse valor, sob pena de se despedirem".
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TERESA SILVEIRA teresasilveira@vidaeconomica.pt |
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